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Cursinho debateu problemas da universidade junto a vestibulandos

Carta distribuída aos vestibulandos da segunda fase da Unicamp que fizeram a prova em Campinas, 15/01/2005. Publicada também na Internet, nas páginas de movimentos sociais e da imprensa alternativa.


Paulo Roberto Parreiras fique certo
De que estamos de seu lado
Não sei para onde você foi
Nem sei o que pretende fazer...
É que a gente não foge da vida,
É que não adianta fugir.
Nem adianta endoidar.
Tudo o que posso dizer-lhe
É que você tem direito de estudar.
É justa a sua revolta:
Seu outro vestibular.

(Ferreira Gullar)


Ano novo, todos com diversas expectativas, diversos planos. A vontade de grande parte da juventude é ter acesso ao ensino público e gratuito, inclusive superior. Aqueles que não passaram para a 2ª fase da Unicamp receberam a notícia dura e fria do vestibular, instrumento de manutenção da exclusão social. E mesmo aqueles que passaram para a 2ª fase aguardarão apreensivos pela lista final, que contará com somente 5% dos que se inscreveram para o vestibular deste ano. O que isso significa? Será que aqueles que ficaram para trás na corrida do vestibular são menos aptos?

A sociedade em que nós vivemos nos faz pensar que sim, pois coloca como natural este elemento de exclusão e coloca a culpa em cada um, redimindo as injustiças do sistema capitalista (o qual não pode abarcar a todos, nutre-se da segregação). Se o vestibular não deve ser mecanismo de avaliação (o aluno deve ser avaliado durante todo o segundo grau e não em uma prova de uma instituição superior) tampouco como mecanismo de detecção de superioridade cognitiva (fatores sociais e históricos estão envolvidos e não meros fatores genéticos, "de talento" ou "de inteligência superior"), concluímos que o vestibular só existe porque não há vaga para todo mundo. Pois, se todos estes alunos chamados de incapazes tivessem condições para estudar muito para o vestibular no ano que vem e tirassem todos nota 10, mesmo assim não haveria vaga para todo mundo. A culpa seria de quem, então? Como seriam escolhidos os mais "aptos"; por sorteio?

Os poucos estudantes carentes que ingressam na universidade possuem poucos apoios para continuar estudando. Em várias universidades públicas, não há sequer moradia ou alimentação para os estudantes de baixa renda (por sinal, o bandejão da Unicamp é um dos mais caros do país). Na Unicamp, são poucas as bolsas-trabalho (que garantem uma renda mínima para os estudantes), embora sejam elas uma espécie de sub-emprego que explora a mão de obra barata e qualificada de estudantes de baixa renda (sem direitos trabalhistas como férias e 13º salário), tomando deles parte importante de tempo que poderia ser dedicado aos estudos e a tarefas da vida universitária (como a participação em espaços políticos e culturais).

Não bastasse a falta de investimento público para a ampliação das universidades estaduais e federais, vimos nos 8 anos de governo FHC um total desmantelamento do ensino superior, o que abriu brecha para a expansão do ensino privado de baixa qualidade e voltado pragmaticamente para o mercado de trabalho. Dessa lógica de mercantilização do conhecimento, participam os grandes cursinhos pagos, que, por venderem a esperança de sucesso e prosperidade individual, crescem tanto mais cresce a exclusão social. A educação vai virando mercadoria, e mesmo as universidades públicas vão se integrando a tais práticas.

Além de não se ampliar, as universidades públicas sequer conseguem manter seu quadro em relação a outros tempos; a Unicamp tem hoje 500 professores a menos do que tinha em 1989, embora o número de vagas e de cursos tenha se ampliado. Não bastasse isso, assistimos à ameaça de uma continuidade agravada do projeto neoliberal para as universidades: o ministro da Casa Civil José Dirceu anunciou a possibilidade de cobrança de mensalidade nas universidades públicas, e satanizou a comunidade universitária (professores, funcionários e estudantes) como "privilegiados".

Não entendemos educação (em qualquer nível) como um privilégio, mas como um direito. Se hoje a universidade é para poucos, os governos (especialmente o federal e os estaduais) deveriam se preocupar em fazer com que ela fosse de todos. E isso envolve não só ampliações efetivas de vagas, mas também um comprometimento da universidade com a população historicamente excluída.

A Unicamp e a maioria das universidades públicas brasileiras colocam o seu conhecimento de alta qualidade a serviço das grandes empresas (especialmente as transnacionais, como, no caso da Unicamp, Microsoft, Motorola, Ericsson, etc.) em troca de recursos para manter estas universidades. Isso nada mais é que um processo gradual (embora não lento) de privatização (a chamada "privatização branca"), que, ao contrário de resolver injustiças sociais (como defendem os reitores e os governos neoliberais ao propor "cortes de gastos"), apenas agrava as desigualdades. O FMI e os governantes que encampam suas medidas não discutem cortes em gastos danosos como os desprendidos na elevação do superávit primário ou os da dívida externa e interna; mas todos (e a grande mídia) encaram como grandes vilões os investimentos em educação, saúde, previdência, moradia e uma série de outros serviços essenciais.

Diante desse quadro, existem inúmeras pessoas que preferem não se deixar levar pela ideologia capitalista hegemônica. E conseguem sair da mera indignação para uma atuação organizada com vistas à superação destes problemas. São vários os movimentos da sociedade (Movimento dos Sem Universidade, Movimento dos Sem Educação, cursinhos populares) e da universidade (Entidades estudantis, de funcionários e de professores, projetos de extensão comunitária) que, na sua militância diária, buscam impedir o avanço da barbárie na educação e propor um modelo coletivo, que utilize da universidade e do conhecimento para a superação de injustiças históricas.

Convidamos todos aqueles que se sensibilizam com estas questões a participarem e criarem espaços em que a contradição ao modelo dado se faça presente. Na Unicamp, além do Diretório Central dos Estudantes (DCE), existem os Centros Acadêmicos (CAs), que são as entidades dos estudantes em seus cursos e unidades; além destes espaços, existem os projetos de extensão comunitária realizados especialmente por estudantes (de diversas áreas: educação, saúde, comunicação, artes, etc.) que buscam uma interação entre a nossa formação e a realidade social e cultural das pessoas e grupos sociais marginalizados. Convidamos todos, por fim, a refletir sobre essas palavras (trecho aproveitado de poema de Ferreira Gullar):

Paulo Roberto Parreiras desapareceu de casa Parecia com o filho do vizinho, mas não era. Era Paulo Roberto Parreiras que não passou no vestibular Recebeu a notícia quinta-feira à tarde, Ficou triste e sumiu. Não passou. Não basta estudar??


Carta conjunta assinada por:

Cursinho Popular "Machado de Assis"
Diretório Central dos Estudantes - Unicamp
CALL - Centro Acadêmico de Letras e Lingüística
CACH - Centro Acadêmico de Ciências Humanas